sábado, 24 de outubro de 2020

TRIO ORIGENS NA RUBRICA “BASTIDORES” DO JORNAL AÇORIANO ORIENTAL

Foto de: Jornal Açoriano Oriental

COORDENAÇÃO JOSÉ F. ANDRADE | bastidores.pt@gmail.com


Rafael Carvalho, César Carvalho e Carolina Constância formam o Trio Origens. Recentemente, apresentaram o álbum de estreia, “Sons no Tempo”, trabalho que reúne 10 temas. Rafael Carvalho, acedeu falar sobre a novidade


Quando e porquê formas o Trio Origens?


O Trio Origens formou-se em 2016. Já tocava com regularidade, em duo, com o meu irmão César Carvalho e a Carolina Constância aparecia em colaborações com o seu Violino em eventos que eu organizava. Acabámos por nos juntar, principalmente, pela vontade de tocar juntos e de ter esse projeto musical novo, em Trio. Um início descomprometido, baseado na amizade e vontade de fazer música. Com o passar do tempo começámos, então, a definir um repertório que representasse o que o Trio queria fazer musicalmente. Fomos tentando afirmar essa nossa sonoridade e visão musical e que agora culmina com a apresentação do nosso primeiro álbum.


Este trio é uma extensão do teu trabalho como músico ou pretendes que haja diferenciação?

Acho que uma coisa não invalida a outra. É, de facto, mais uma das valências musicais onde me movimento e ao qual pertenço com muito orgulho, pelo que será sempre uma extensão do meu trabalho a solo ou de outros projetos musicais que abraço. No entanto, o Trio Origens tem uma identidade e sonoridade muito próprias, por isso é diferente de tudo o resto que fui fazendo até hoje, mas está e estará sempre ligado à música e percurso que tenho vindo a fazer com a Viola da Terra.


A palavra “saudade” está ligada à viola da terra e isso faz a ponte entre tudo o que fazes. Concordas?


A palavra “saudade” está ligada à alma dos Açorianos, em qualquer parte do mundo, onde estejam: quem partiu sente saudades da terra Natal, quem ficou sente saudades de quem viu partir. A Viola da Terra, para mim, como digo há muitos anos, é o instrumento que melhor exprime essa “saudade” no ressoar das suas cordas. Concordo que é a Viola a intermediária para concretizar essa ponte, por exprimir em sons o que muitas vezes não sabemos exprimir em palavras, e por dizer dessa forma o que sentimos na alma.


Sentes essa responsabilidade de alguma forma?


Sim. É importante fazer sempre essa ligação ao que fomos e ao que somos agora! A ligação aos que ficam e aos que estão distantes! Há uma responsabilidade em manter a nossa essência sem deixar, claro, de inovar. Tento sempre que exista um fio condutor naquilo que vou fazendo e um caminho que tem de ter bases sólidas na nossa tradição, na nossa cultura popular e sentindo a responsabilidade de continuar a transmitir essa grande riqueza, procurando dentro das minhas capacidades, ser um desses elos de ligação entre gerações e, também, ir diminuindo as distâncias geográficas pelos sons da nossa Viola.


O disco, como o descreves em breves palavras?


“Sons no Tempo” são os sons intemporais da nossa música tradicional, da música de Carlos Paredes, dos sons das Astúrias ao som da nossa “Chamateia”, com uma abordagem muito própria e atual, onde o Violino e a Viola da Terra se namoram, desafiando-se, chorando as nossas melodias e com uma consolidação harmónica que é garantida pelos sons do Violão. É uma viagem em 10 faixas, com momentos de grande dinâmica e vivacidade, alternados com momentos de maior introspeção... assim como é a vida de cada um de nós.


Quanto tempo levaram a construir este disco?


Entre a ideia inicial e o seu lançamento passaram-se dois anos, mas o trabalho de estúdio foi de cerca de 5 meses, decorrendo entre setembro de 2019 e Janeiro de 2020. Depois seguiu-se o trabalho de edição e masterização bem como o grafismo. No entanto, com a chegada da “pandemia”, a meio de março, surgiram muitos constrangimentos e vários atrasos depois na fase final de duplicação e do transporte para os Açores, pelo que só recebemos o trabalho em junho.


A escolha dos temas foi consensual?


Sim. Fizemos uma listagem das várias músicas que faziam parte do nosso repertório e depois fomos decidindo em conjunto o que deveria constar do álbum. Claro que, sendo um trio, cada qual tem as suas músicas de preferência pessoal, mas conseguimos sempre conciliar todas as vontades e ter este primeiro álbum que representa bem a visão de todos.


Embora com pouco tempo de mercado, como está a ser recebido este trabalho?


Está a ser bem recebido. Felizmente, também, com grande divulgação na comunicação social regional e nacional, nos programas e nas rubricas em blogues e jornais dedicados à nossa música tradicional e à produção musical e cultural que se faz cá. Da parte da saída de exemplares estamos, obviamente, com os constrangimentos da falta de concertos ao vivo, que é onde as pessoas mais procuram adquirir o trabalho dos artistas.


Os espetáculos online são a solução para o momento que atravessamos?


Os espetáculos online têm sido a forma de continuar e de dizer que estamos aqui! São um meio, mas não uma solução. Inseridos numa programação cultural on-line, onde o artista possa ser valorizado, revelam-se de enorme importância para a subsistência de cada um. No entanto, a solução passará pela forma de conseguirmos conviver com esta “pandemia”, que veio para ficar por muito tempo, sabendo que temos de continuar a trabalhar, todos, dos músicos a toda a equipa de produção que existe nos bastidores, com as devidas medidas de segurança para os públicos e para as equipas técnicas. Agora é a altura fundamental de termos as diversas entidades a investir e a apoiar a comunidade artística e todos os que dela vivem.


Sentes saudades de ter pessoas à frente, sem ser de forma virtual?


Sem dúvida. O nosso concerto de apresentação do álbum “Sons no Tempo”, a 6 de outubro no Teatro Micaelense, foi um momento de grande importância e até emotivo, por voltarmos a tocar para um público ao vivo, muitos meses depois, e que nos acarinhou do principio ao fim. Mesmo que com lotação reduzida, com uso obrigatório de máscara, assistir a essa resiliência das pessoas e à vontade de estarem connosco honrou-nos muito. Sentíamos todos muitas saudades dessa interação.


Já agora, como descreves a interação em ambos os cenários?


São contextos diferentes e em que temos de nos preparar bem em ambos os casos. Num concerto em streaming podemos ir acompanhando o que as pessoas vão comentando, podemos tentar ter uma interação com elas, mas nunca será da mesma forma que o calor humano do concerto ao vivo. Os aplausos “online” são com “likes” e “emojis”, e isso ajuda, sem dúvida, por sabermos que alguém está do outro lado, mas não substitui a adrenalina do palco. No palco, sim, podemos sentir o calor humano, a emoção real das pessoas e a sua reação tua música. No entanto, devo admitir que a projeção do concerto online é enorme e garante que a nossa música chega a um público mais abrangente, imediatamente, a várias partes do mundo.


Conseguiste remarcar os concertos que tinhas este ano?


Não. Excetuando o reagendamento da apresentação ao vivo do álbum “Sons no Tempo” tudo o resto foi cancelado. Um ou outro evento foi redefinido para “online”, como o concerto de apresentação online do nosso álbum no “Cordas World Music Festival”, e eu, pessoalmente, pude também participar no “Fabric Arts Festival” de Fall River, com concerto previamente gravado, mas isso foi também a exceção. Apesar dos grandes constrangimentos da situação atual em que vivemos seria importante uma maior sensibilidade para a recuperação do setor cultural e uma programação de inverno, adaptada à nova realidade, mas que valorizasse todos os intervenientes da produção cultural Açoriana. Essa responsabilidade é de todos e há bons exemplos a serem dados por algumas autarquias dos Açores, desde o início da “pandemia” nesse apoio às artes. Repliquemos o que é bom e o que funciona! É altura de mexer os braços! 


In Jornal Açoriano Orienta, sexta-feira, 23 de outubro de 2020.


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