sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

“O QUE DIZEM OS LICENCIADOS E MESTRES DA ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA SOBRE A ESTRUTURA DA RIBEIRA DOS BISPOS?”

Categoria: Destaques
Criado em 14-12-2017
Escrito por CA

O ‘Correio dos Açores’ recebeu do Professor Doutor Félix Rodrigues um esclarecimento a propósito da reportagem que publicamos na nossa edição de 13 de Dezembro intitulada “Vestígios de fenícios nos Açores? O que dizem os arqueólogos” que é do seguinte teor:
“No passado dia 13 de dezembro o Correio dos Açores publicou uma notícia sobre uma estrutura encontrada no Concelho da Povoação, na Ribeira dos Bispos onde ouviu quatro licenciados e mestres da área da arqueologia e história que misturam alhos com bugalhos. Se fosse só isso, nem me incomodaria a dar-lhes uma resposta. A resposta surge por várias razões que de seguida se expõem.

Vamos então por partes:

Afirma o jornalista do Correio dos Açores que na sequência dessa sinalização pública (sinalização é diferente de achado) que “A RTP Açores noticiou o alegado achado, no telejornal de 9 de Dezembro, em entrevista a Félix Rodrigues, doutorado em Ciências do Ambiente – Poluição (conforme consta no currículo público do próprio, na plataforma DeGóis)”. Conclui que “Apesar de não ter habilitações académicas nas áreas de Arqueologia, História, Antropologia ou Património, surge frequentemente identificado como “investigador” do passado histórico açoriano.”.

Relativamente a isso cumpre-me dizer poucas coisas: de facto não sou arqueólogo, logo não tenho competências para escavar, mas também ninguém precisa escavar nada para ver o que está à frente dos olhos. Não sou historiador, o que não significa que não possa estudar história, pois esta é uma área em que todos sabemos um pouco, e se não sabemos devíamos saber, e ademais até pertenço ao Instituto Histórico da Ilha Terceira. Não sou antropólogo, mas tenho um filho que o é, e quanto mais que não seja, consigo perceber que antropologia não é a área científica do Património senso lato. Quarto, sempre me preocupou o património, e esse não é só construído, engloba também o património natural e nessa área tenho trabalhos feitos. Perante isso, permitam-me ainda dizer que tenho uma licenciatura de cinco anos, coisa que duvido que os entrevistados tenham, pois no máximo será quatro anos, provas de aptidão pedagógica e capacidade científica, algo muito diferente de um mestrado de dois anos, pois levava quatro anos, e um doutoramento, que também não é de dois anos, mas algo que levava quatro anos. Também fiz uma pesquisa no DeGóis e não encontrei o registo de nenhum dos entrevistados, podendo isso significar que nem inscritos estão no sistema de investigação científica nacional. Sou de facto especialista em ciências do ambiente, pois para perceber com se dispersam e transformam os poluentes é preciso saber ciências do ambiente. É exatamente essa minha especialidade que me tem levado a obter dados sobre o passado de algo nestas ilhas que neste momento até já está confirmado por biólogos, geneticistas, físicos, químicos e inclusivamente alguns arqueólogos e referente à presença de pessoas nas ilhas antes da chegada dos portugueses. Pôr em causa essas análises, exige agora muito trabalho a quem as contesta. Tem que no mínimo demonstrar que houve erros analíticos, e isso não se faz com blá, blá, blá, faz-se com trabalho de campo e análises laboratoriais.

Vejamos por exemplo o que diz nessa entrevista/análise multidisciplinar de arqueólogos e historiadores, Diogo Teixeira Dias: “É pouco provável ter-se chegado aos Açores sem vela latina e um navio de tonelagem considerável, nem por total acidente. Só em termos de critérios naturais, há que ter em conta os ventos, a hidrografia, a meteorologia, a distância. ....”.

A resposta que aqui dou, prende-se exatamente com o facto de ser especialista em ciências do ambiente, e como tal não aceitar tal observação, que não tem pés nem cabeça.

Ainda no dia 2 deste mês de dezembro de 2017, o barquinho NADA, abandonado à sua sorte na Madeira veio encalhar na ilha Terceira. Levou cerca de 19 dias a aqui chegar. Prova-se que afinal o ridículo de se afirmar que “nem por total acidente” é mesmo ridículo.


Se calhar, bastava pedir a opinião técnica à Professora Manuela Juliano, que além de ser especialista nessa coisa de correntes marítimas (Oceanografia Física, Ciências do Ambiente) área em que é Doutorada e até descobriu uma nova corrente marinha no mundo, a única mulher a fazê-lo até agora, e por acaso premiada por causa disso, para saber se tal é possível ou não. Ela diz que é, mas se dissesse o contrário, o que não é o caso, a trajetória dos barquinhos abandonados sozinhos na América e que vieram encalhar a Portugal (o West), bem como a dos barquinhos abandonados na Madeira e que vêm parar aos Açores demonstra que as opiniões não fundamentadas de algumas pessoas, não são aceitáveis, mesmo que se considerem especialistas nalguma coisa (ver imagem).


A imagem que aqui se apresenta é das trajetórias de três barquinhos abandonados na Madeira e que teimam em vir para os Açores: Não têm vela latina e têm dimensão relativamente reduzida e fazem parte de um projeto global da NOAA, uma instituição americana de referência com a qual Portugal colabora. Não considero que um arqueólogo ou historiador tenha competências académicas para pôr em causa esses resultados ou até mesmo os princípios gerais de oceanografia física que não se altera há muitos e muitos séculos.


Diz ainda esse entrevistado ao Correio dos Açores que, “Para se alegar categoricamente um facto, há que ter provas devidamente sustentadas do que se afirma e não apenas colocar uma hipótese como absoluta e entender que o ónus da prova está do lado do contraditório.”. Estou completamente de acordo. Assim, quem contradiz a oceanografia física é que tem que provar que ela está errada.

Quando no mesmo artigo, João Araújo pergunta: “Onde estão as evidências materiais de hipotéticas fixações de pessoas, que subitamente decidiram criar aqui sepulturas, antes do período das descobertas marítimas?”. Respondo que estão no estudo paleoecológico da Lagoa das Sete Cidades (realizado por cerca de uma dezena de prestigiadas instituições internacionais), nas datações físicas realizadas noutros estudos com várias instituições científicas e laboratórios prestigiados, na genética dos “morganhos açorianos”, na genética das doninhas açorianas, só para citar alguns trabalhos publicados em revistas internacionais com revisão científica de pares. Se ele não os conhece, deveria fazer um esforço para conhecê-los, mas o problema é que sendo estes trabalhos de áreas científicas que provavelmente não domina, para os pôr em causa só precisa de ter análises“ devidamente sustentadas do que se afirma e não apenas colocar uma hipótese como absoluta e entender que o ónus da prova está do lado do contraditório.”. Não se pode pôr em causa a paleoecologia, a biologia, a genética e a física assim por dá cá aquela palha, especialmente quando têm centenas de análises. Talvez por isso é que a RTP Açores me ouviu a mim, especialista em ciências do ambiente, em vez de um arqueólogo ou historiador, porque até agora os dados são das ciências naturais com interpretações científicas fundamentadas e também corroboradas por alguns arqueólogos que não os senhores entrevistados.

Quanto à estrutura da Ribeira dos Bispos, afirma Pedro Pascoal de Melo, que “a estrutura – que já há muitos anos é conhecida pelos locais, e que agora foi feita passar por recente “descoberta” – é claramente um pombal escavado na rocha. “. Isso não é uma hipótese é uma afirmação, com a qual, sendo especialista em ciências do Ambiente, não posso concordar de modo algum. Os pombos não fazem ninhos junto ao solo. Segundo, se tivessem falado com um especialista em avicultura, como por exemplo o Professor Carlos Vouzela, ele explicar-lhes-ia, que se isso é um pombal, não seria possível criar pombos lá dentro sem que no mínimo as portas estivessem fechadas, mas se fechassem as portas, as condições alterar-se-iam e os pombos morriam, porque os pombais requerem luz. Mais uma vez é preciso “ter provas devidamente sustentadas do que se afirma e não apenas colocar uma hipótese ou explicação como absoluta e entender que o ónus da prova está do lado do contraditório.”. Faz mesmo falta ter uma interpretação dessas coisas pelas ciências naturais e saber distinguir uma hipótese de uma conclusão. O método científico ajuda a objetivar essas coisas.

Diz ainda Pedro Pascoal de Melo que “Os pombais eram uma forma expedita de os habitantes das zonas mais carenciados em terra e recursos garantirem carne e ovos para reforçarem a sua alimentação e estrume para fertilizar a terra.”. Trata-se de uma afirmação falaciosa, pois uma parte estaria correta, se fosse um pombal, mas mesmo sendo um pombal a outra parte seria completamente ridícula. A parte ridícula mais uma vez prende-se com ciências do ambiente, em que de facto sou especialista e até se liga à poluição. Os pombos não produzem guano. O estrume de galinha de facto é um bom adubo desde que devidamente compostado. Uma galinha produz muitas mais fezes do que um pombo, e mesmo assim, para produzir estrume, são precisas muitas galinhas. O estrume de pombo não é usado, porque não se produz em quantidades razoáveis. Sim, já investiguei isso numa tese de mestrado que orientei, sobre um tema muito mais abrangente do que fezes de pombos. Se tivermos doze nichos na estrutura da Ribeira dos Bispos, totalmente preenchidos, daria um total de vinte e quatro pombos, que para produzirem estrume para uma pequena horta, teriam que ser ricamente alimentados e em contínuo, e todos eles teriam que ter, no mínimo, gastroenterite.

N’Zinga Oliveira, também entrevistada, afirma que o depoimento da Doutora Ana Arruda dado à TVI onde afirma que “não há indícios arqueológicos de presença pré-portuguesa nos Açores, pelo que não podemos afirmar a anterior comparência – e muito menos a fixação – de sociedades complexas ou mesmo de pequenas comunidades humanas”, esclarece tudo. Tenho dúvidas metodológicas quando alguém acha que os indícios arqueológicos só são esqueletos a cerâmica. De facto, ainda não se encontrou nos Açores nenhum esqueleto sentado numa tumba qualquer com um prato de flocos de centeio na mão. As tumbas provavelmente existem, os esqueletos de facto podem não existir se os cerimoniais forem de cremação, e os pratos, talvez possam estar enterrados, e não aparecem se não se escavar. O centeio, esse já foi descoberto. Em nenhum lugar do mundo andam pratos antigos a rolar debaixo dos pés. Por outro lado se não se sabe quem, porque razão as comunidades não poderiam ser acerâmicas?

Quanto ao Alexandre Monteiro, que não participou nessa visita multidisciplinar de arqueólogos e historiadores, e cujo grande argumento curricular parece ser o de ter criado nos anos 90 a carta arqueológica subaquática do arquipélago, salvo o erro, numa altura em que era aluno de engenharia zootécnica e não de arqueologia, e por outro lado, a carta é criada pelo Governo Regional e não por ele, o que não significa que ele não possa ter feito uma proposta. Até se concorda com parte do que ele diz, especialmente quando afirma que temos “centenas de naufrágios únicos no mundo, muitos deles capazes de deixar encostados a um canto muitos dos melhores museus navais do globo”. Mas de imediato surge uma questão: O que é que a bota tem a ver com a perdigota?

A notícia não tinha a ver com a estrutura da Ribeira dos Bispos?

Essa opinião é apenas a tentativa de estabelecimento de uma prioridade política que nada tem a ver com ciência. Tal arqueólogo critica os alinhamentos solares, publicados em revistas internacionais. De facto existem alguns, e estudados por gente da física, astronomia e arqueologia. Também querem pôr em causa a astronomia?

Esses estudos arqueoastronómicos, ou seja, mais uma vez das ciências do ambiente, apenas constatam que há alinhamentos solares.

E depois?

O que provam?

Não provaram muito, apenas deram contexto a estruturas e aprofundaram paralelismos que tinham vindo a ser estabelecidos.

Será que esse senhor sabe fazer tais estudos?

Na globalidade concorda-se com o argumento de que o povo deve ser bem informado, e essas pessoas têm-me dado muitas oportunidades de poder informar o povo, recorrendo a dados de trabalhos e a factos e não a argumentos do tipo “eu é que sou físico, eu é que sei”.

Se há falácias pelo meio, tenho que admitir que sim, quase todas a tentar descredibilizar-me por não saber “escavar” ou não ser arqueólogo encartado, usando a falácia da autoridade. Se querem a falácia da autoridade, pois aqui vai: Sou o único doutorado, se comparado com o grupo que foi entrevistado e com muitos mais anos de experiência em torno do que há nos Açores sobre “presença pré-portuguesa” inequívoca, confirmada não pela arqueologia, mas também por ela corroborada, mas essencialmente pelas ciências naturais. Se alguns desses arqueólogos e historiadores contribuíssem para esclarecer questões em vez de criar confusões, provavelmente estaríamos muito mais avançados nessa discussão científica.

Professor Doutor Félix Rodrigues”
Nota de Redação: O esclarecimento do Professor Félix Rodrigues dirige-se, nos primeiros parágrafos ao jornalista do Correio dos Açores e apraz-nos esclarecer que as . considerações no trabalho que publicamos são da responsabilidade dos entrevistados e não do jornalista.
In jornal Correio dos Açores:
http://correiodosacores.pt/index.php/destaques/31045-o-que-dizem-os-licenciados-e-mestres-da-arqueologia-e-historia-sobre-a-estrutura-da-ribeira-dos-bispos



Abaixo link da publicação efetuada no dia 12 de dezembro de 2017 após visita de três arqueólogos e um historiador da arte e património à Ribeira dos Bispos que desconstruíram e demarcaram-se da hipótese de que a “estrutura terá servido para “guardar cinzas dos corpos cremados” de povos que teriam estado nos Açores antes da chegada dos portugueses, classificando tais afirmações como não tendo qualquer fundamento.
Povoação, sexta-feira, 15 de dezembro de 2017.

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