sábado, 5 de agosto de 2017

VASCO BENSAUDE: O HOMEM QUE UM DIA TEVE MAIS CRÉDITO QUE PORTUGAL

“Há uma história interessante em relação a Vasco Bensaude. Estando o Estado Português a necessitar de adquirir uma grande quantidade de trigo e sem liquidez para o fazer, o Banco de Inglaterra apenas aceitou a transação com o aval de Vasco Bensaude. Conta-nos a história que um homem de figura modesta e fina entrou no banco, seguindo as instruções que lhe foram dadas, assinando as letras e responsabilizando-se, ele próprio, por dar de comer a milhares de portugueses. Um privado tinha mais crédito que o próprio Governo…”. Esta credibilidade de Vasco Bensaúde, por altura da evocação dos 50 anos da sua morte que hoje se assinala, dá para perceber a dimensão que atingiu, por exemplo, na distribuição de combustíveis, no transporte marítimo e no turismo.


Neste dia de 5 de Agosto de 2017, assinalam-se os 50 anos da morte de Vasco Bensaude, reconhecido por ser um dos maiores visionários que já habitaram as ilhas dos Açores. Vasco Elias Bensaude nasceu a 26 de Abril de 1896 em Lisboa, sendo filho do eminente historiador dos descobrimentos portugueses, Eng.º. Joaquim Bensaude e de Cecília Sophia Nathan Bensaude. Casou em Paris, a 27 de Novembro de 1922, com Lilli Rose Éleonore Kann, sendo pai de Filipe, Béatrice, Antoinette e Patrícia Bensaude (atual Presidente do Conselho de Administração do Grupo Bensaude). Desde muito novo que o seu amor pelos Açores se manifestou, influenciado pelos seus parentes mais próximos. Tendo crescido entre o final da Monarquia e o início da República, viveu em Portugal – Lisboa e Ponta Delgada - Inglaterra, França e Suíça. Viveu durante 2 Guerras Mundiais, viu iniciar-se o Estado Novo, a “grande depressão” de 1929 e assistiu a um regicídio.


Estudou em Inglaterra, em Bedales na região de Hampshire, onde fez o seu curso liceal. Não tendo revelado interesse pelas áreas então em voga como as ciências ou engenharias, enveredou pela área da gestão, que estava a dar os primeiros passos no ensino universitário enquanto ciência.


Optou pela prestigiada Universidade de Saint-Gall, Suíça, considerada ainda hoje, como uma das mais importantes universidades do mundo germânico na oferta dos cursos de economia e gestão.


Esta decisão revelou-se crucial para o seu futuro, pois ficou preparado para melhor compreender os novos desafios da economia, associados a uma mudança drástica do mundo de então e para gerir a “inesperada” herança dos tios Abraão, Walter e Henrique. Assumiu-se como figura providencial para a preservação do património da família, devido à sua postura, seriedade, contenção e método. Reservado, tímido, sabedor e sem grande vocação para a conversa de circunstância, Vasco Bensaude foi sempre reconhecido como amigo fiel e dedicado, patrão justo e homem de negócios sério. Um dos marcos da sua simplicidade é a forma como chega a Ponta Delgada em 1915, já como sócio da Bensaude e Cª, remando ao lado dos seus homens num esquife que o havia de deixar em terra. Meticuloso e obsessivo no trabalho, generoso e charmoso no trato, Vasco Bensaude deixou saudades entre os que o conheciam e entre os que com ele privaram. Se por um lado fomentava relacionamentos com os mais ilustres intelectuais, por outro, fazia questão de manter uma relação de grande proximidade com os seus empregados, com destaque para o seu chauffeur Hermínio (que tinha estado nas trincheiras da Grande Guerra na Flandres). Não era raro, também, convidar “estrangeiros” a frequentarem a sua casa no Pico de Salomão, em São Miguel, fomentando assim a multiculturalidade das suas relações. Vasco Bensaude nunca pretendeu gerir os negócios ou ser respeitado, mercê da força do seu dinheiro ou prestígio da sua herança. Sempre acreditou que a autoridade apenas assentava no mérito e, por isso, atuava no “círculo de competência”. Foram estas características de personalidade que o fizeram, também, refugiar-se entre os seus livros, na apicultura, na jardinagem, onde sempre manifestou conhecimentos enciclopédicos e especialmente com os seus cães. Foi o grande iniciador e principal impulsionador do apuramento da raça portuguesa dos cães de água do Algarve, que denominou “Algarbiorum”, sendo “Leão” o seu primeiro cão. Contribuiu com o seu aprofundado estudo, esforço, dedicação e persistência, para fazer reviver em toda a sua pureza, uma raça que estava praticamente extinta e hoje tão apreciada, sendo o exemplo mais mediático os dois cães da Família Obama (EUA).


Inspirado pelo tio Abraão: “do bom arranjo virá vantagem”, pelo seu tio Walter, “tempo e paciência” e pelo seu avô José Bensaude: “tão nacionais são os braços das ilhas como os do continente”, Vasco Bensaude encetou a sua carreira no mundo empresarial. Num Mundo em constante “revolução” e num país pobre, Vasco Bensaude conseguiu ser um cidadão do Mundo. É bem conhecida a paixão de Vasco Bensaude pelo mar, a navegação e os navios, fruto de secular ligação da família com o meio marítimo. Foi gerente da Parceria Geral de Pescarias, companhia mais antiga do sector e que herdou dos tios. Esta empresa dedicava-se à pesca do bacalhau, nos bancos da Terra Nova e na Gronelândia, como também à pesca da sardinha, a partir de Setúbal e de Vila Real de Santo António. Sob a égide de Vasco Bensaude e sem quebrar a tradição, foram realizados investimentos, aumento da frota e introduzidas profundas inovações na pesca e na seca do bacalhau.


A Empresa Insulana de Navegação é o exemplo perfeito de como Vasco Bensaude, contra tudo e contra todos, quis manter os Açores abertos ao Mundo. Esta empresa, fundada em 1871, fora comprada pelo seu tio Abraão em 1873. Era a companhia de navegação mais antiga de Portugal.


Empenhou-se e interveio em todas as fases de construção do CARVALHO ARAÚJO, construído propositadamente para a Insulana e lançado à água em Monfalcone, Itália, a 17 de Dezembro de 1929. Com aspeto elegante e moderno para a época, tinha capacidade para transportar 354 passageiros. A viagem inaugural à Madeira e aos Açores teve início a 23 de Abril de 1930 e o navio foi recebido festivamente em todas as ilhas. Mas foi o projeto do navio FUNCHAL, construído nos estaleiros Helsingor, Dinamarca, que mereceu o maior carinho por parte de Vasco Bensaude. Fez questão de participar na “construção” do navio, verificando todos os cálculos e projetos do engenheiro. Em questões de decoração, divisão dos interiores e condições de conforto, Vasco Bensaúde foi inabalável nas suas posições frente ao engenheiro projetista, o então, Capitão-de-Fragata Rogério de Oliveira.


Foi lançado ao mar no dia 10 de Fevereiro de 1961 e o resultado foi um “navio de linhas extremamente elegantes, que exteriorizava a aparência de um iate, apesar das suas quase 10.000 toneladas”. Foi considerado um dos mais atrativos pequenos paquetes, com capacidade para 400 passageiros. O FUNCHAL revolucionou o transporte de passageiros com o Continente e em 1962 foi escolhido para transportar o Presidente da República, Almirante Américo Tomás, em viagem oficial aos Açores. Vasco Bensaude teve o engenho de somar aos investimentos já realizados pelos seus antepassados, outros de enorme sucesso: - A fundação da Sociedade Terra Nostra (1933) - Criação do Bureau de Turismo - A aquisição e reabilitação do Parque Terra Nostra – um dos mais emblemáticos parques botânicos do Mundo, ex-líbris do Vale das Furnas e da ilha de São Miguel. - Criação da Casa Regional - A construção do Hotel Terra Nostra, referência de luxo e modernidade da Arte Deco (1935) - Construção do Campo de Golfe das Furnas (1937) - A Fundação da SATA – Sociedade Açoreana de Transportes Aéreos (1947) - A aquisição da Mutualista Açoreana (1950) Um especial destaque para o Hotel São Pedro, dos mais luxuosos e elegantes da Europa à data, inaugurado em 1965. Foi bem conhecido o acompanhamento e entusiasmo de Vasco Bensaude em todos os pormenores durante as obras, na casa que pertencera a Thomas Hickling (primeiro cônsul americano em S. Miguel). Foram decisões de verdadeira arte e bom gosto, que ainda hoje perduram no tempo. Mas também na área da indústria, Vasco Bensaude destacou-se pela sua dedicação e especial atenção. O seu empenho permanente contribuiu para a modernização da Fábrica de Tabaco Micaelense (FTM), realçando-se a instalação, no ano de 1950, de uma máquina americana de secagem de tabacos, essencial para acabar com o bolor das variedades de tabaco. É, pois, sem espanto, que ainda hoje parte da estratégia do Grupo Bensaude continua a preservar decisões tomadas por Vasco Bensaude, como por exemplo a distribuição de combustíveis, o transporte marítimo e o turismo. Há, também por isso, uma história interessante em relação a Vasco Bensaude. Estando o Estado Português a necessitar de adquirir uma grande quantidade de trigo e sem liquidez para o fazer, o Banco de Inglaterra apenas aceitou a transação com o aval de Vasco Bensaude. Conta-nos a história que um homem de figura modesta e fina entrou no banco, seguindo as instruções que lhe foram dadas, assinando as letras e responsabilizando-se, ele próprio, por dar de comer a milhares de portugueses. Um privado tinha mais crédito que o próprio Governo… Filantropo e Homem culto e do Mundo, Vasco Bensaude foi reconhecido pela oferta de refúgio durante a II Guerra Mundial, a sua notável relação com a Maternidade Abraão Bensaude ou ainda o apoio à Colónia Balnear “O Século”. Conta-nos a História que Vasco não dava esmolas, oferecia trabalho, pois só o trabalho dignifica, algo que demonstra bem a sua faceta humanista. Vasco Bensaude foi educado para o valor da poupança e da contenção, tendo assumido a responsabilidade de ser o maior empregador da ilha de São Miguel, sendo que não raras vezes mandava destruir o que estava bem construído, reerguendo vezes sem conta o que estava bem feito, para garantir que os seus homens tivessem sempre trabalho. Não se importando com reconhecimentos sociais, Vasco Bensaude foi condecorado com a “Ordem Militar de Cristo” e Grande-Oficial da Ordem Civil do Mérito Agrícola e Industrial. Foi ainda Grande-Oficial da Ordem de Benemerência de Portugal e, mais tarde, Comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola e Industrial. Serão, sempre, poucas as palavras para descrever tão ilustre e modesta figura, que tanto fez pelos Açores e pelos Açorianos, que ainda o recordam 50 anos após a sua morte.

(Correio dos Açores)

Povoação, sábado, 5 de agosto de 2017.

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