segunda-feira, 24 de julho de 2017

NA VEREDA OU, NA CURVA DOS MEUS FRACASSOS

Recordo verdes campos, seara madura loiros trigais, da minha infância.

Por onde andais?

Em países longínquos do meu coração que chegaram até mim em cada manhã no apetecido, fresco loiro pão.

Ai que saudades das velhas eiras, do moinho de engenho junto à ribeiras e máquinas debulhadoras do trigo, que afadigou homens e mulheres na recolha do precioso grão, que de mão em mão passou em experiências feita na escola da vida inteira.

Que nostalgia das brincadeiras nos montes de palha que foi encantamento de gerações de crianças.

Na curva dos meus fracassos, nunca digo à natureza, foi chão que já deu uvas!... A natureza é generosa e tudo nos dá, dos meus sonhos de criança vejo extensos milheirais que era prodigo o conselho povoacense, carros de bois carregaram espigas de milho, que transbordavam da sebe quando os carros iam aos solavancos em prodígio de equilíbrio caminho abaixo, caminho acima.

Ouvia-se ao longe a sinfonia da chiadeira dos eixos das rodas que alertavam os donos que o milho estava a chegar a casa.

Família, vizinhos amigos, vinham tirar folha á maçaroca, milho branco ou amarelo, em sua beleza singelo e de forma tão variada. Rapazes e raparigas à procura do milho rei para um beijo darem na desfolhada, não existia fadiga, havia sempre uma graça, um piscar de olhos um piropo uma ou outra cantiga brejeira e sempre um ou mais namoricos começavam.

Vamos, vamos minha gente deu-nos machos para amarrar, para o dependurar-mos na tulha, vamos não há tempo a perder, parar é morrer, já o dizia minha avó que era mulher de sabedoria. Terminado o trabalho seguia-se um baile furado, formem pares todos à roda, braços ao alto, estalem dedos, entra Maria para dentro que já vou para fora… isso mesmo estes passos bem marcados e repenicados, entra e sai e vira, assim mesmo é que é.

Vai dai uma cantigas!

O baile da Povoação… é um baile encantanudo…se me apanho fora dele…vejo sol por um canudo… quando minha avó nasceu… eu já tinha três semanas… já vinha da Povoação… com um saquinho de castanhas… quando minha avó nasceu eu já vinha de S. Vicente… minha sogra está teimosa… que nasceu á minha frente…

E assim pela noite dentro continuava o baile furado, uns comes e bebes à mistura…

Ó José vai dar uma cantiga… Ai vai ela fresquinha de agora…a mulher ralha comigo… que só quero baile furado… este é um vicio antigo… de quando fui seu namorado… esta foi boa… é mesmo para atiçar!

Ó Clara onde é que está a sua esperteza!

Ele não pede por esperar!

Como uma batata escaldando na boca que mal entre logo sai, ela ripostou… saíste-me um bom garoto falando mal de mim… cara de macaco torto… bigode tão ruim… sempre gostaste do meu bigode… dos meus abraços ainda mais… à cá Del Rei quem me acode… que ela por mim dá ais…

E o despique prossegue!

O meu amor é um bandalho, que só quer pernear… é carta fora do baralho… que não se pode jogar…

A cada resposta brejeira soam em um uníssono as gargalhadas dos familiares e amigos: prossegue a cantorias mas não apimentada mas amena… dá-me um beijo meu amor… que beijar não é pecado e também se o for… por mim estás perdoada…

O meu amor me pediu… o que não lhe posso dar… as meninas dos meus olhos… que não as posso tirar… Os olhos do meu amor são grãos de trigo na eira… são nados ao domingo, e nascem á segunda-feira… Tenho um lenço de ciúmes… meu amor para te dar… com quatro nós dê suspiros… sem os poder desatar… O pobre vive em pobreza, porque dinheiro não têm, e a sua maior riqueza, é ter quem lhe queira bem… Hoje não é dia de tristeza vou dizer a minha chacota!

Semeei no meu quintal, a asa de uma caneca… nasceu-me um macaco torto, cara de maroto tocando uma rebeca…

Esta é de lhe tirar o chapéu… vai mais um Chico!

Agora é a vez de ti João, eu por mim fico por aqui… É verdade bem lembrado; Ó ti João diga qualquer coisa á fartura de milho que lhe entrou em casa… Ei rapazes… eu não estou no dia sim, mas vocês merecem ouvir qualquer tonteira minha, pois ai vai…

 O homem muito trabalha… e ás vezes com algum ralho… muitas vezes não lhe calha, gozar o seu trabalho…

Cheguei ao alto da vida, alegremente sorrindo… choro agora na descida… como cantava subindo…

Estas merecem um brinde a ti João… Ó Jacinta trás dai o cajeirão do vinho, esta gente está com a garganta seca…

Ei gente… ergamos o nosso copo este vai á saúde de ti João, tia Jacinta e família e á nossa;

Isto é que se chama uma boa pinga… ei raparigas deixem de namorar… vai dai uma cantiga…

Encostei-me ao pessegueiro e fiquei cheiinha de flores… ai de mim tão novinha… e já tão cheia de amores…

Madressilva pampilosa… onde foste deitar flor… foi no adro da igreja… no chapéu do meu amor…

Ei gente agradeço a todos, seja pela saúde de todos e pelas almas; vamos á deita amanhã é domingo; vamos á missa agradecer a Deus a fartura que no deu.

E ao repicar do sino lá iam as pessoas á igreja com seus modestos fatos domingueiros as mulheres na sua maioria de saia e blusa, xaile sobre os ombros entrelaçado, pés calçados de tamancos a fazer o característico ruido do tlic tlac; ao entrarem na igreja descalçavam e ficavam por baixo da pia da água benta.

Os homens uma grande maioria descalços recordo-me que só aos onze anos estreei uns sapatos porque fui trabalhar sem ganhar um escudo para o sabão para minha mãe a roupa lavar… era assim naquela época, e lá uma vez que outra toma que é doce uma bordoada puxando carroça a calcorrear caminhos outra vez rastejando como uma toupeira por baixo de casas metálicas… não é meu objectivo falar de mim que não se coaduna com este ligeiro apontamento…

Neste apontamento cito três quadras que ouvi da boca do Senhor Manuel Alves que residiu na Paul Ilha de S. Maria (Ilha Coração), este Senhor já falecido tinha um encanto peculiar ao citar estas e outras quadras que era apanágio dos bailes realizados no Paul e arredores.     
 
Benjamim Carmo

Povoação, segunda-feira, 24 de julho de 2017

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