terça-feira, 24 de janeiro de 2017

MOINHOS DO CONCELHO POVOACENSE (Que saudade)

Antigo Moinho em Água Retorta
O frenesim do quotidiano não nos permite deter o olhar na beleza das pessoas, das coisas da natureza e do nosso património, que foi construído por nossos avós com suor e canseira, ou como é natural dizer-se “com lágrimas de sangue”.

Sabe Deus, e sabem os idosos, quanto trabalharam de sol a sol, mal alimentados, com magras refeições (quantas vezes umas couves aferventadas, onde a banha por aqui passou, mas não entrou).

Foram os nossos avós homens e mulheres de coragem. A solidariedade andava de braço dado, de mão em mão, coração a coração, na entre ajuda na labuta de cada dia.

Pedra a pedra, com argamassa, deixaram-nos belos edifícios, verdadeiras obras de arte em cantaria, escultura, talha, pintura, maravilhas do tear.

Deixaram-nos nossos avós tantas coisas que avivam a nossa memória, recordando os pioneiros sem regresso que sabiam viver em harmonia com a mãe natureza.

O agradecimento mais sincero para com eles é conservarmos tudo aquilo que nos legaram e que é tão característico do nosso concelho, da nossa ilha, da nossa região Açores. É de lamentar, é incompreensível deixarmos demolir casas, fontenários, moinhos etc, etc, que são parte do nosso património mais genuíno. É impressionante a nossa apatia quando vemos e nada fazemos, por tantas coisas que deixámos ruir aos poucos e cada vez mais se vão degradando até que ficam só na memória de alguns. Louvável quando a Junta de Freguesia ou Câmara Municipal faz renascer ou mantém património característico de localidade.

Dirão alguns: para quê fontenários? Todas as nossas casas têm água canalizada! É verdade e é um bem precioso. Instalou-se na nossa vida o comodismo; quando nos falta a água, mesmo que seja por uma hora ou duas, logo dizemos cobras e lagartos. Os fontenários fazem parte da nossa memória coletiva e saciam a sede de quem por eles passa.

(Água fresca que escantou)

Boquinha da noite, ouvi-o assobiar a sapateia, ligeira agarrou a talha – oh mãe! Não tem água. Eu vou à fonte. Não demores que a noite trás malefício! Isto são crendices.

Estava meio fusco junto a fonte sorrindo estava o Manuel – dá-me a talha que encho ao dar-lhe roubou-lhe ele um beijo – se fosse só um, mas não, foi uma chuva deles – um abraço dois ou três, assim aconteceu a sedução foi levada como a água pró moinho na cantata do moleiro a Maria moleirinha.

Desculpai a minha reminiscência e o meu alertar… Concelho da Povoação Celeiro da ilha. Era assim designado ou conhecido o Concelho; os seus terrenos eram propícios ao cultivo do milho. Era tal a abundância desse cereal que era exportado para diversas ilhas açorianas e para outras localidades micaelenses.

Durante longos anos, foi o cultivo do milho um dos principais meios de sobrevivência dos povoacenses que, para moerem este precioso cereal, foram construindo moinhos, na maioria, movidos a água, aproveitando os recursos naturais que a generosa natureza lhes oferecia. No Concelho povoacense, chegaram a existir quarenta e dois moinhos, se a memória da nossa gente, que é sempre senhora da verdade, estiver certa?

Ao longo dos anos, foram-se degradando. Alguns houve que resistiram às intempéries, apesar de terem sido danificados. A estes poucos impõe-se a sua recuperação.

Na Ribeira dos Bispos, de permeio da magnífica Lomba do Loução e florescente Lomba do Alcaide, existiam sete moinhos – devido a temporais três são ruinas, um é habitação com o moinho inoperante sem existência de acessórios, o último moinho que funcionou pertenceu ao Sr. José Amaral (de saudosa memória) era conhecido por José Linhares foi simpático no trato com seus clientes.

É de salientar o moinho do Engenho que, movido a água, debulhou, durante dezenas de anos, moios e moios de trigo… era tal a quantidade deste cereal, acumulado no recinto anexo ao Engenho, à espera de debulha que, por vezes chegava a grelar. Este moinho do Engenho, pertenceu ao senhor António Pragana.

A Câmara Municipal adquiriu o recinto e o edifício onde está instalado o moinho do Engenho. Este faz parte do nosso património histórico foi restaurado, designado como Museu do Trigo diversos eventos acontece é Museu vivo em cada dia valoriza o Concelho Povoacense.

Dos onze moinhos que existiram na Vila da Povoação, dez foram demolidos, apenas se mantém em atividade um deles, apesar de ter sido ameaçado por duas tremendas cheias que bastante o danificaram. Graças ao apoio financeiro do Governo Regional, o moinho manteve-se em atividade e pelo empenhamento do falecido proprietário, o Sr. Manuel Resendes, conhecido por Manuel Amaro. O moleiro no conhecimento de vida era sábio no levar a água a seu moinho, Divino Pai o tenha no seu reino bem a quanto, não se encontre entre nós. Após um outro moleiro esporadicamente ali trabalhou o Sr. Francisco Campos – Chico Bixim entendido no ofício vivo na nossa memória em Deus. É situado este moinho na proximidade da Ponte Nova, estando o moinho situado no rés-do-chão. No primeiro andar, uma mora, de nome Maria da Paixão de M. A. Resendes, ali instalou uma loja de artesanato, na sua maioria loiças decorativas, candelabros de latão, loiça decorativa da Ribeira Grande e outras localidades bordados regionais, etc.

Incentivou esta senhora familiares e instituições oficiais da Povoação – um bom motivo para preservarmos os nossos moinhos com critérios adequados, de modo a que sejam atrativos para os que nos visitam e que de certo levarão recordações do Concelho mais lindo dos Açores. Os artigos confecionados pelos artesãos ou artesãs devem ocupar nestes locais o primeiro lugar.

A srª Maria da Paixão, ótima artesã, tem certificado de confeção – presépio de lapinha – registo do Sr. Santo Cristo e Bordado Regional.
Rua das Maquias

Há décadas de anos, foi assim designada uma rua desta Vila, pérola preciosa que o mar enamorado vem beijar. Anexa à ribeira, existiu um moinho que, há muito, foi demolido. Era seu proprietário e moleiro o tio Jacinto, homem de bom caráter, bom trabalhador, que sabia gerir o seu fraco rendimento, cuja fonte principal era maquiação de cada alqueire de milho que era moído. Ele tirava uma maquia, o que corresponde a oitocentas gramas de farinha.

Historial da designação da rua, o citado tio Jacinto aos poucos foi construindo pequena casa com duas divisões, quarto e cozinha. Ao verem este pequeno progresso, os seus conterrâneos comentavam: “as maquias estão dando” e assim se propagou este nome

Para suavizar um pouco esta narrativa, vou citar duas quadras que, possivelmente, são tão velhinhas como alguns dos nossos moinhos. Estas quadras foram-me transmitidas verbalmente pelo senhor Manuel Resendes.

1
Aqui vem o nosso moleiro
Pensava que ele não vinha
Ele é um patarateiro
Que não me trouxe a farinha.

2
Eu sempre é que sou culpado
O culpado sempre sou
Por via do temporal
O moinho se quebrou

Na Ribeira do Além junto à airosa Lomba do Botão e Pomar existiram cinco moinhos, três extintos há muito tempo; os outros dois estiveram ativos até 14 de dezembro de 1996, dia em que a grande cheia os demoliu.

Na Ribeira dos Palames, aconchegada à encantadora Lomba do Cavaleiro e à pacata Lomba do Carro, existiam três moinhos: dois deles estão em ruínas. O terceiro está necessitando de reparações, especialmente o penado.

Pertence este moinho ao senhor Gilberto Arnaldo Amaral.

Mais uma quadra antiga alusiva aos moleiros:

Tu levas a saca cheia
De milho para vir farinha
Mas se não fosse a cadeia
Nem sequer a saca vinha.

Na Ribeira Quente, neste local de beleza ímpar, existiram três moinhos, infelizmente demolidos, ficou-nos o nome – Rua dos Moinhos.

No Formoso Vale das Furnas, no passado, eram nove moinhos. No presente, existe um graças ao dinamismo do Senhor Delmar Carvalho de Medeiros, ex. presidente da Junta de Freguesia de Furnas, que no seu mandato mandou reconstruir uma Azenha que moia milho, dois ou três dias na semana, este moinho serve também de local de trabalho de artesãos locais, como por exemplo, cesteiro, galocheiro, etc., etc., que ali confecionavam obras de arte que são muito apreciadas e adquiridas por turistas e habitantes locais.

No Faial da Terra “presépio de Concelho” existiam seis moinhos, “historial” temporal e cheia destruiu a levada e equipamento diverso imprescindível na moagem do cereal. A Junta de Freguesia – Câmara Municipal e apoio do Governo Regional, reconstruiram a levada e um moinho que funcionou algum tempo – o último moleiro foi o sr Manuel F. Melo alcunha Manuel Caixa, três moinhos são vivendas particulares.

Na fascinante Água Retorta, existe uma moagem que funcionou uma vez por semana. É seu proprietário o senhor Manuel Sardinha e de moinho de vento sendo este único do género do Concelho. É considerada conveniente a sua recuperação, incutindo nas novas gerações o não abandono do nosso património.

Moinho de água existiam três, o último que funcionou foi o da torre – Lomba das Eras, com o passar do tempo é passado. O Água Retortence é coerente na tradição e decerto irão recuperar um…

Um quadro rural

Há dezenas de anos, no pitoresco rural das nossas Lombas e Freguesia, logo ao romper da manhã, viam-se os camponeses de sacho ao ombro a caminho dos terrenos que iam sachar para as sementeiras. Um ou outro boieiro, com uma junta de bois e uma mula com um arado ou grade no dorso escarrapachado, uma ou outra chaminé a fumegar, o vendilhão que ia caminhando vergado e bamboleando carregado com dois cestos bem cheios de peixe que levava dependurados numa palanca apoiada no ombro, e lá vinha o pregão “ei chicharro fresco”… aos poucos ia o vendilhão trocando duas ou três dúzias de chicharros por uma quarta de milho. Pouco depois, via-se o moleiro e o seu fiel companheiro, o burro, carregado de moenda, de porta em porta, ia o moleiro distribuindo as sacas de farinha, ou recolhendo o grão para moer.

Com um sorriso de esperança espelhado no rosto, era sempre bem vindo o moleiro. Boquinhas famintas sabiam que em pouco tempo seria confecionada a papa, o bolo ou o pão que as iria saciar.

Está quase no terminus a geração de moleiros e não se vê alguém que queira esta nobre profissão, mas pouco lucrativa nos nossos dias. O milho que é cultivado, na sua maioria, destina-se a silagem para alimento do gado bovino. Poucas são as pessoas que o cultivam para a confeção de pão e seus derivados…

Do meu sentir (em jeito de homenagem aos moleiros)

1
Anda o moleiro na freguesia
Recolhendo o grão para moer
No seu velho moinho
Assim passa o dia
Vezes sem conta sozinho
Sem nunca esmorecer.

2
Com tantos cuidados
Com grão e ternura
Faz a farinha
Que é pão de ventura
P`rá fome matar
A tanta boquinha.

3
Ai, moleiro, que trôpego que estás
E vais de porta em porta
Levando farinha para o pão
Estás velho e cansado
Isso que importa
Se não envelhece teu coração.

4
Quando a noite se avizinha
Regressa a casa o moleiro
P`rós filhos e mulher abraçar
Roupa suja de farinha
De labutar o dia inteiro
P`ró pão a todos dar.

Benjamim Carmo


Povoação, terça-feira, 24 de janeiro de 2017.

1 comentário:

  1. Excelente texto e reflexão. Sinto-me compreendida. O capitalismo é um vírus que mata a História, a poesia e a solidariedade. Agora que há máquinas e mais facilidades, AGORA É QUE É A HORA DE PRESERVAR, SEM GRANDE ESFORÇO, AQUILO QUE OS NOSSOS ANTEPASSADOS CONSTRUÍRAM COM INIMAGINÁVEIS DIFICULDADES!
    Bem haja pela chamada de atenção, amigo Benjamim.
    fátimadruga

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