quarta-feira, 16 de novembro de 2016

ESTORIETA DA NOSSA GENTE: CHORAVA CHORAVA

Ao domingo o céu é mais azul; esta frase é parte do refrão de uma canção portuguesa.

Para o Carlos mesmo que estivesse nublado era sempre azul quando via a escultural Maria com os seus longos cabelos sedosos e olhos meigos castanhos, ficava o Carlos de olhos “pregados” de quando em vez piscavam e bem tentava falar com a tímida moça mas sempre se esquivava a Maria ao entrar na Igreja ou ao sair. Lá dentro era impossível falar com ela, há dezenas de anos atrás eram saias para cima e calças para baixo, homens e mulheres não podiam estar juntos somente as crianças mas isso não impedia o Carlos de ver a moça de costas voltadas para ele. De quando em vez surgia a curiosidade da tímida moça que fugazmente através da mantilha olhava o rapaz: logo depois daquele enleio sentido se penitenciava orando e pedindo perdão ao bom Jesus Eucarístico Senhor do amor.

Ao saírem da missa embora seguindo os passos da Maria não era possível falar-lhe ia ela sempre acompanhada p’la mãe e uma ou mais vizinhas e o Carlos não se sentia à vontade para se declarar.

Sendo os dois naturais da Lomba dos Pós ali viviam.

Indo um dia o Carlos de sacho ás costas e cesta com comida na mão ia para a terra trabalhar e viu a moça que vinha da fonte com o pote de barro apoiado no quadril. Dirigiu-se a ela e declarou-se: - Já deves ter percebido que gosto de ti, se for da tua vontade gostava que fosses a mulher da minha vida, serás a rapariga mais feliz desta Lomba.

Ouvindo isto a Maria chorava, chorava e fugiu para casa. Tendo chegado ofegante perguntou a mãe porquê.

Respondeu ela: - Fulano falou-me.

- E tu que lhe respondeste?

- Nada.

Dias depois contou Carlos a um amigo ter falado em namoro à Maria.

Curioso perguntou-lhe o amigo:

- E ela o que te disse?

- Ela chorava, chorava e aquela boca sempre calada.

Sendo a moça tímida de mais nunca deu um sim ao Carlos. Saturado namorou uma outra com quem se casou. É usual dizer-se, dos felizes não reza a historia.

Com receio de ficar para ti tia algum tempo depois levou um vizinho dela sua fotografia para o Canadá.

Um moço da Lagoa ao ver a foto ficou seduzido e depois de algumas cartas de amor escritas pelos dois casaram eles por procuração.

Foi a moça de avião e no aeroporto à sua espera estava o vizinho e o marido que olhava para tudo o que era passageira e não via a imagem da foto, então exclamou ele:
- Ela não veio, ainda não a vi!

Respondeu-lhe o vizinho – Aqui a tens…

Ao vê-la ia-lhe “caindo o coração aos pés” porque o seu rosto tinha borbulhas, era diferente da foto.

Segundo me contaram é um casal feliz.

De quando em vez vem à baila ela chorava, chorava e aquela boca sempre calada…

Embora seja verídico os nomes citados são fictícios. Esta é mais uma estorieta da nossa gente.

Benjamim Carmo

Povoação, 16 de Novembro de 2016.

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