terça-feira, 4 de outubro de 2016

VINDIMAS Passado de encanto a matizar o Futuro

Vindimas deixam sempre perfume no ar, apesar da fadiga aliás como é natural. Sentimos alegria ao dar um doce beijo numa caneca ou tigela de barro ou canjirão.

Quando transborda, goela abaixo o precioso e perfumado vinho doce, na euforia do momento sem conta nem medida, assim ingerido, por vezes transborda quando menos se espera; e há que ter um andar cauteloso ou até apressado; e lá damos uma voltinha…

Não vá Baco ou alguém rir-se de nós!

Enfim coisas da vida…

Cito o provérbio: Até ao lavar dos cestos é vindima…

Haja alegria!

Chorar ou rir é viver a vida!

Nos saudáveis convívios da vida, surgem despiques, contam-se histórias, anedotas apimentadas ou não, uma ou outra cantiga brejeira, do tipo destas que há anos atrás foi início de namoro, aqui na costa…

Se queres casar comigo: Provo tua boca feiticeira:

E se fores bom artigo: Amar-te-ei a vida inteira:

Não proves que sou veneno: Irás morrer sem amar:

Um rato tão pequeno: à morgalheira vai parar:

Vai até ao canavial: Pra te mostrar uma coisa:

Não fales de mim mal: Pra que ninguém te ouça:

E lá de quando em quando, bago de uva era atirado, de cá para lá e de lá para cá, com um piscar de olhos à mistura…

Assim era o namoro de antigamente, se havia um beijo era de corrida…

Vindimas no meio da algazarra há tarefas para todos, uns apanham uvas enquanto que outros, com cestos de vimes, ou outro tipo de recipiente vão carregando as uvas para tabuleiros grandes de madeira onde fazem a escolha.

Logo depois da escolha que foi a separação das uvas verdes ou estragadas das boas que são para consumo natural, ou em vinho quase sempre para uso caseiro, ou para brindar algum familiar ou amigo…

A maioria  das uvas são transportadas em caixotes que vão para a casa dos seus donos no dorso de cavalos guiados pelos donos ou tratadores calcorreando calhau, vereadas tortuosas e caminho bom; são utilizadas carrinhas por ser mais prático sempre que o caminho o permita.

Há umas boas dezenas de anos existiam diversos lagares de pedras nas casas primitivas da costa e fajã do calhau nesta última o Sr. António Pereira e esposa D. Maria Beatriz são proprietários de três lagares, dois inactivos e o terceiro activo quando cheio de uva e quando é esmagada dá uma pipa de vinho que é guardado na adega deste casal na Fajã com todo o cuidado de quem percebe de vinhedos e do seu derivado, o vinho…

Na costa há quem tenha lagar de cimento; de pedra segundo consta só existem resíduos, a salientar quando existia vinho abundante na Costa já há umas boas dezenas de anos chegou a ser transportado de barco por ser mais prático…

Era usual homens, mulheres e crianças aparentemente saudáveis, previamente lavavam pés e pernas no mar e logo depois na casa os voltavam a lavar em água doce.

Aqui deixo umas improvisadas quadras que disseram antes de entrar no lagar…

José lava bem os pés: Quero vinho sem esterco:

Não te caia o rapé: Do umbigo que o perco:

Eu já sou homem: Sem tabaco no umbigo:

Ò ti Manuel arreda, foge: E não se meta comigo:

Ei galinho da madeira: já cantas de galo:

Eu tava na brincadeira: contigo não me calo:

Ti Manuel toma tino: Como a uva tás maduro:

Senão ainda lhe empino: Pro lagar eu lhe juro:

Tu és uma tagarela: E corda  mais não dou:

 És como a esparrela: Que melro velho apanhou:

Pró lagar ele não vai: Pró vinho não avinagrar:

Tem idade de ser meu pai: Ei gente! Vamos as uvas esmagar…

À medida que vão esmagando as uvas ali fica tudo concentrado, engaço, grainhas, etc.

No dia seguinte temos vinho doce à disposição de quem o aprecia. 

O restante ali fica acomodado e, em balseiras, em média cinco a seis dias em fermentação ou cortimento como alguns dizem, todo o conteúdo é mergulhado ou virado três vezes ao dia.

No lagar existe uma pedra com peso e configuração adequada ao mesmo que é utilizada para o esmagamento total, mas já há muito que existem prensas de tipo diverso tal como os raladores manuais e não só…

É tempo de coar o vinho depois de extraído, é usual usarem um pequeno cesto de vime para este fim, logo depois vai para o vasilhame previamente preparado, a notar o vasilhame só fica totalmente vedado ao fim de três semanas, há quem coloque sobre o orifício provisoriamente uma maça, ou pedra lisa.

Uma paisagem é sempre bela especialmente aos olhos de quem a ama!

Não posso dizer que gosto da fajã do calhau que não conheço, ou da costa onde já lá fui três ou quatro vezes, uma delas para a água num quinze de agosto para ali tomar banho, foi agradável o convívio como também ajudar na apanha da uva há uns bons anos atrás e o que digo é que não sou (amante) da costa.

Opino é que tudo tem o seu encanto peculiar, aliás como é natural.

Quem corre por gostos não cansa, diz a nossa gente…

Assim acontece aos que gostam da costa da fajã do calhau ou qualquer outro lugar à beira mar, são os enamorados de mãos rudes ou macias que acariciam a terra e as videiras para produzirem fruto mantendo o ciclo de vida que se renova e cada Primavera…

Quanto labor, quanta canseira; são as cavações, sachas, mondas, arranjo de tapumes, adubações, podas, amarração das vinhas, desladroar, desmatar, mais haveria a dizer, que o digam os entendidos, aqueles e aquelas em que o suor corre em bica no meio de tanta labuta, e eu o que faço bebo o vinho e digo: Rebente quem o deu!

E quem o deu? A vinha…

Contam os mais idosos que algures tendo um homem deslocando-se a um prédio de vinha, de burro, não teve o cuidado de amarrar o animal, que assim solto, ia comendo nas varas da vinha. Neste mesmo ano a vinha produziu mais fruto, concluiu o homem que era bom podar a vinha e assim tem sido.

Esta possivelmente será mais uma história da minha avó!

E assim é a fajã e a costa, casas e vinhedos em prodígios de equilíbrio empoleirados nas encostas, socalcos á beira das falésias tendo como sustentáculo velhos murros canaviais e outro tipo de vegetação, uma ou outra figueira: a deslizar encosta abaixo como serpentes os vinhedos sequiosos como se a querem banhar com as sereias de carne e osso na água cristalina e rolar nos afagos das ondas no rendilhar da espuma.

E quem sabe espreguiçar-se na praia a bronzear seus doces frutos tão apetecidos, e na vindima do amor colhidos, é que do amor nasce a vida!

Visionar a Fajã do calhau ou a Costa a luz dos fios de prata de luar tecidos deve ser fascinante, ouvir os cagarros e o marulhar do mar na quietude será adormecer e com encanto sonhar…          

 Benjamim Carmo

Povoação, 4 de Outubro de 2016.

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