terça-feira, 14 de junho de 2016

SANTINHOS E ORVALHINHOS

No início do mês de Junho nas manhãs de quando em vez fomos contemplados com ligeiros orvalhos aos quais designo por tempo de caracol.

Um dia destes deixaram-me eles uma mensagem indecifrável no pavimento cimentado do logradouro da casa que habito, um flash de memória recordou-me que Sto António anda por ai S. João e S. Pedro estão a chegar ao coração dos seus devotos. Que ingénua foi a geração dos anos trinta e outras paralelas “os corações transbordavam fé e amor p’los Stos Populares”. A moça com idade casadoira que não queria ficar para tia nas suas rezas pedia ao Sto António – Ó bondoso Sto António – meu Sto casamenteiro – dá-me um homem trajadinho – que tenha muito dinheiro. Dependurava a moça a imagem do Sto de cabeça para baixo crente que alguém iria perder a cabeça por ela de sonhos temos as mãos cheias. Era usual querer-mos saber o que a sorte nos reservava utilizando pequenos papeis com algo escrito relacionado com namorico sucesso nos exames escolares ou liceal etc etc, estes papéis eram enrolados e depois deixados ao relento da noite, aprisionava-se um caracol de’baixo de um cesto de vimes ou alguidar de barro tudo isto na mágica noite que antecede ao dia consagrado ao Sto e logo de manhã cheios de entusiasmo curiosos íamos ver qual o papel aberto ou a letra desenho do rastejo do caracol se nos dizia algo ou não.

Outras sortes eram feitas num recipiente com água e uma clara de ovo, que por vezes fazem figuras interessantes exemplificando um barco, viagem, igreja o casamento etc etc. Era um grande bem para as populações das nossas freguesias; os fontenários; raros eram, aqueles que possuíam água canalizada em suas casas. Na casa de meus pais não tivemos este privilégio com exactidão, não sei dizer quantas vezes fui buscar água ao fontenário com um pequeno talhão de barro e que fresca que era a água que se bebia. Há que recordar o cuidado no asseio dos nossos fontenários nas vésperas dos Stos Populares, decorávamos as paredes e recinto com rosas novelões e ramos de cedro manjericos incenses e outras plantas aromáticas. Antes do sol nascer ia-se buscar água à fonte que dizíamos ser benta que nos livrava de doença e “mau olhado”. Do coração sedento – soltou-se sonhos loucos desejos – Encharquei-me de beijos – Na fonte da vida.

Nos dias que antecedia a comemoração dos Stos populares ia-se as matas apanhar ramada na sua maioria seca juntava-se alguma verde “perfumada” incensos urzes e louros e fazíamos fogueiras.

Por cima das chamas davam-se loucos saltos seguidamente formava-se roda e de mãos dadas dançávamos cantando, que bonito que era corações e mãos dadas. Éramos irmãos na alegria partilhada! À roda de uma fogueira – Gira que gira a cantar – Um beijo por brincadeira – Ao meu amor quero dar.

Assim acontecia uma vez ou outra de fugida os namorados eram mais atrevidos e davam um beijo. Se os pais viam “fechavam os olhos” porque era noite de Sto António ou de S. João pulsava o coração havia animação – é festa diziam eles.

É louvável que festejamos com fé os Stos populares que sempre estarão no coração crente da nossa gente, falar dos Stos é juntar uma ou outra quadra para manter a tradição.

Aos Stos não prometas – Se não podes cumprir – Promessas não são tretas – Saibas viver sem mentir. – A chama do teu olhar – Incendeia o meu rosto – Coração louco vou-te amar – Entre Junho e Agosto.

Arremato fantasiado – No cerrado ondulado do mar ovelhas brancas do S. João da Vila estão pastando, surgem lobos marinhos amedronta-os o Deus Neptuno com o tridente. Na escarpa do medo no arrebol do sonho loucas sereias com arcos e balões saltam fogueiras de lava incandescente fascinadas por fumarolas de incenso abissal da natureza senhora da vida.

Benjamim Carmo

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