sexta-feira, 25 de julho de 2014

IDENTIDADE: UMA AÇORIANA DE 266 ANOS

“...a vida açoriana insistia numa/ mediocridade deliciosa, feita de mar/ e de lava, e do que o mar e a lava/ precipitam: sargaços, peixes, piratas,/um pouco de enxofre e sismos./Neste círculo se apertava a vida do/ açoriano, até que a sedução do mar/ envolvente se tornava mais forte do/ que ele. Vinha a emigração.” Vitorino Nemésio, “Açorianidade” [II], Correio dos Açores, 6.9.1932

As ilhas fazem parte de nós, catarinenses do litoral Sul. A Ilha de Santa Catarina, portal de entrada dos seis mil açorianos que, de 1747 a 1756, atravessaram a vastidão atlântica cortando hemisférios, arpoando a esperança na procura de dias melhores em terras Vera Cruz, e as nove Ilhas do arquipélago dos Açores – Santa Maria, São Miguel, Terceira, Graciosa, Faial, Pico, São Jorge, Corvo e Flores – lugar de origem, ponto de partida dos nossos antepassados, povo errante que se espalhou pelo mapa do mundo, atravessou mares levando a ilha dentro de si.

Nos Açores, o Sul do Brasil encontra o alargamento de seu passado e na açorianidade o seu patrimônio cultural. Um legado que, transmitido por tantas gerações, alcança o século XXI como identidade cultural construída no tempo e no espaço telúrico. Sinônimo de luta pela sobrevivência com dignidade, marco legal na construção do Mundo Novo.

Somos catarinenses, brasileiros. Somos ilhéus açorianos, portugueses. Por nossas crenças e tradições seculares, nosso acervo espiritual irrefutável – a matriz cultural. Sim, somos açorianos por direito de herança dos nossos antecestrais que um dia deixaram o porto de Angra, na Ilha Terceira, sabendo que jamais voltariam...

Se o sangue açoriano diluiu no passar das gerações, ao se misturar a tantas outras etnias que dão cara ao povo de Santa Catarina, numa composição de multiculturalidade e diversidade, hoje mais do que nunca, é um rio de afetos a correr-nos nas veias e a desaguar diretamente ao mar do coração, reafirmando a nossa condição de “açoriano”, a nossa identidade cultural de raiz.

Na segunda-feira do Espírito Santo, dia 9 de junho, o Mundo Açoriano celebrou o Dia dos Açores, como símbolo da “afirmação da identidade dos açorianos, da sua filosofia de vida e da sua unidade regional - base e justificação da autonomia política que lhes foi reconhecida e que orgulhosamente exercitam” (cf. Decreto no 13/80 A de 21/8/1980).

Como parte do universo açoriano que se estende dentro e fora dos Açores, numa afirmação identitária, sinto-me “de casa” para celebrar a significativa data e reverenciar os meus ancestrais, pilares da minha família, aqui chegados no século XVIII, humildes açorianos povoadores desta terra abençoada por Santa Catarina: José Francisco Vieira e Ana Rosa Joaquina Siqueira (Norte Grande, Ilha de São Jorge); António Nunes Curvelo Filho (Altares, Ilha Terceira) e Ana Maria do Nascimento (Urzelina, Ilha de São Jorge); António Nunes Curvelo (Altares, Ilha Terceira) e Maria Francisca da Conceição Melo (Biscoito, Praia da Vitória, Ilha Terceira). Pedro Machado de Ávila (Agualva, Praia Vitória, Ilha Terceira) e Maria Machado (Norte Pequeno, Calheta, Ilha de São Jorge); João Machado Lopes e Felícia Rosa de Jesus (Ilhas Terceira e Pico); Tomaz Francisco de Faria (Ilha do Faial) e Bárbara Francisca da Conceição (Ilha de São Miguel). José Machado Pacheco e Rosa Maria de Jesus; José André da Silva e Maria da Encarnação (Ilha do Pico); José Agostinho Cardoso e Clarinda Anna de Jesus; Francisco António Martins de Oliveira e Luiza Maria Oliveira (Ilha Terceira).

Um grande abraço a todos os açorianos que vivem nas nove Ilhas dos Açores, aos açorianos que vivem nas comunidades da diáspora e àqueles que, como Eu, são açorianos de 266 anos e levam os Açores por baixo da pele e no coração.

(Título original: Celebrar o Dia dos Açores como uma açoriana de 266 anos)

LÉLIA PEREIRA DA SILVA NUNES
Professora universitária
Florianópolis, Brasil

Fonte: mundoaçoriano

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