quinta-feira, 19 de junho de 2014

“EMPURRAR OS MUNICÍPIOS (E O ESTADO) PARA O FUNDO DO POÇO”

Abaixo poderá ler a carta do Senhor Presidente da Câmara Municipal da Povoação, Dr. Carlos Ávila que foi dirigida hoje ao Senhor Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, relacionada com o assunto em epígrafe, para os efeitos que julgar por convenientes.

“Na qualidade de representante e defensor dos interesses da população do Concelho da Povoação, eleito em 2009 e reeleito em 2013, e também como autarca mais antigo dos Açores que já perdeu três eleições e ganhou outras quatro, tomo a liberdade de lhe pedir um pouco do seu tempo, para ler o que de seguida escrevo. Ressalvo já que reconheço a competência e a seriedade do Colega, e o fato de ter sido também Presidente da Câmara de Coimbra noutros (bons) tempos e por isso, possivelmente, não lhe direi nada de novo. Mesmo assim, não me coibirei de apelar ao seu mais alto sentido de responsabilidade na defesa intransigente dos interesses das populações dos municípios de Portugal, repito, dos interesses e dos direitos das populações que nem sempre coincidentes com os dos Presidentes das Câmaras.

Sou dum Concelho muito pequeno, da Ilha de S. Miguel, dos Açores e de Portugal, o Concelho da Povoação, assim chamado por terem desembarcado nesta Vila, os primeiros descobridores desta Ilha.

O nosso Concelho, a par do Concelho de Fornos de Algodres, foi declarado em situação de reequilíbrio financeiro (de falência), em 2009. Não sei ao certo o que terá acontecido a Fornos de Algodres, mas sei que nós aqui rejeitámos este processo de reequilíbrio, não aceitámos efetuar empréstimo de muitos milhões e concebemos um Plano de Contenção das nossas despesas municipais.

Já naquele tempo, sabíamos que o aval do Estado para o empréstimo, haveria de trazer consequências muito gravosas para a nossa população, tais como a obrigatoriedade de aumentar os impostos municipais, de fazer despedimentos, e sobretudo a perca da autonomia de decisão e da dignidade institucional que fora atribuída ao nosso Concelho, por carta régia de Dona Maria II.

Rejeitámos o dinheiro fácil e malévolo do Estado e começámos obsessivamente a poupar. Poupar em tudo: no papel, na eletricidade, nas canetas, no gasóleo, nas festas, nas viagens do Presidente e respetivas ajudas de custo, na contratação de serviços externos, em carros, (ando num Renault Clio!), na aquisição de bens, encerrámos a academia de música, reduzimos quase a zero a atribuição de subsídios, mantendo apenas o destinado aos Bombeiros, fazemos um controlo apertadíssimo do armazém, etc, etc.

Poupámos, poupámos e pagámos. Desde 2009 e até ao final de 2013, em apenas 4 anos, reduzimos a nossa dívida em 19 milhões de euros, correspondendo a 50% da dívida. E fizemos esta redução da dívida municipal, sem aumento dos impostos municipais, ou seja, sem aumento de receitas porque nunca pretendemos agravar o custo de vida da população. Ao mesmo tempo e agravando as parcas receitas dum município pequeno como o nosso, o Governo Central, durante estes anos, diminuiu as nossas receitas. Mesmo assim resistimos, e poupámos continuadamente para pagar a dívida momentosa que recebemos.

É claro que não fizemos obras, muitas delas absolutamente necessárias ao bem-estar da população. Mas todos compreenderam que a nossa estratégia de gestão, levar-nos-ia a um bem maior e que, por isso, as obras poderiam esperar.

Em 4 anos, reduzimos a dívida em 19 milhões de euros, um valor superior aos 14,5 milhões do empréstimo que o Estado queria avalisar para o nosso Concelho. Empréstimo que levaria 20 anos a pagar! Seriam 20 anos de sacrifícios sobre as pessoas.

Mas o Governo da República nunca quis reconhecer o nosso trabalho. Porquê, se até estávamos a contribuir, à nossa diminuta dimensão para a redução do deficit do Estado? Uma resposta óbvia: porque nós fugimos ao seu controlo e porque a nossa experiência de gestão escapava ao sistema instituído e vigente. Os próprios técnicos que nos monitorizavam, trimestre a trimestre, mostravam-se atónitos com os resultados que alcançávamos. Mas também a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, na sua anterior representação, nunca valorizou o nosso trabalho e até à exaustão, apresentava o Concelho da Povoação como exemplo a necessitar das leis que eles, em nome da ANMP e o Governo, maliciosamente iam concebendo, tais como a lei do PAEL e agora a do FUNDO DE APOIO MUNICIPAL. Doa a quem doer, mas não posso deixar de afirmar que estas duas leis são dois verdadeiros atentados às pessoas sérias que ainda as há, na gestão dos dinheiros públicos deste nosso país!!! Um verdadeiro atentado à sanidade mental daqueles autarcas que, escrupulosamente, nunca renunciam à defesa dos direitos das suas populações, os mesmos que não embarcam em negociatas de ocasião, (quantas vezes!), apenas para gaudio pessoal.

Esta última é mais grave ainda. Por várias razões. Fundo de Apoio Municipal, com acordo pré estabelecido com a direção anterior da Associação dos Municípios? Por mim não! Por mim basta de tamanhas manigâncias! E mesmo que a lei entre em vigor, tudo farei para resistir, sempre em defesa dos melhores interesses das pessoas. Mas porquê mais uma vez obrigar as Câmaras a endividarem-se, por conta do pagamento duma dívida, fazendo cumprir, ao mesmo tempo e mais uma vez, os mesmos objetivos de aumento dos impostos sobre a população, dos despedimentos das pessoas, da perda de autonomia decisória das Câmaras Municipais?

E não virá com certeza longe, (quais lobos a espreitar a melhor ocasião) da extinção dos municípios! Sim, é isto que acho que eles querem, estes membros “fora da lei” deste Governo Central que por OITO VEZES pretendiam legislar contra a Constituição da República e, neste caso, bem acolitados pela Direção anterior da ANMP. É preciso dizer BASTA, meu caro colega, Presidente da ANMP. Exorto para que não aceites qualquer acordo com este Governo, muito menos este do FUNDO DE APOIO MUNICIPAL que mais não é do que um valente empurrão para o fundo do poço, às autarquias portuguesas, especialmente aos Municípios portugueses, donde resultará, a breve prazo, mais aumento da dívida do Estado e maiores oportunidades para o aprofundamento do sistema de economia ultraliberal e ultraconservador, destes atuais Governantes da República.

Exorto para que resista! Resista sempre até ao fim! Nem lhe ficaria bem, pelo convencimento que tenho do seu exemplar comportamento pessoal, assinar um acordo, este ou outro parecido, já tecido pelo anterior Presidente!

Por fim, preciso afirmar que concordo ser necessário diminuir as dívidas das Câmara Municipais deste país. E para a consecução deste objetivo, bastaria que fossem fixadas taxas anuais de redução das dívidas municipais. Redução real da dívida global de cada um dos Municípios. Contudo, atente a autonomia constitucional do Poder Local, cada uma das Câmaras Municipais deveria encontrar as suas próprias estratégias de poupança para pagamento das dívidas.

Neste mesmo sentido, mais sou de opinião que o não cumprimento da redução real da dívida, deveria ser imputado à responsabilidade do próprio Presidente da Câmara, dos Membros do Executivo Municipal e também dos membros da Assembleia Municipal, caso não haja razão extremamente plausível que possa explicar a não redução anual da dívida e nunca a toda a população, como é de costume, através da obrigatoriedade do aumento dos seus impostos ou da redução compulsiva das receitas do Estado. Obrigue-se os responsáveis a assumir as suas responsabilidades e nunca se obrigue a população a sofrer pelo mal que esses mesmos responsáveis praticaram!”

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