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segunda-feira, 11 de maio de 2015

O JOVEM MAESTRO POVOACENSE, CARLOS SOUSA, EM ENTREVISTA AO JORNAL CORREIO DOS AÇORES

Mais uma entrevista conduzida pelo Dr. António Pedro Costa a um jovem talento povoacnese, desta feita, Carlos Sousa, natural da Lomba do Loução, Freguesia de Nossa Senhora dos Remédios.
Carlos Sousa está a tirar o mestrado em música no Porto
Carlos Sousa, natural da Povoação, actualmente a fazer um Mestrado em Educação Musical na Escola Superior de Educação do Porto já colaborou com inúmeras filarmónicas do nosso arquipélago, da Madeira e até do continente, bem como com a Orquestra Regional Lira Açoriana, Orquestra Ligeira da Câmara Municipal da Povoação e Orquestra Ligeira de Ponta Delgada. “Espero que, um dia, os Açores possam dar aos seus jovens músicos a oportunidade de se formarem como músicos num ensino superior sem ser preciso sair da Região”, afirma 

“É necessário que as políticas educativas dos Açores valorizem a Educação Musical”

Correio dos Açores - Tens uma grande paixão pela música. Como e quando te apercebeste deste talento?

Carlos Sousa - Na minha família não conheço ninguém que tenha sido músico. A única ‘ligação’ que um membro da minha família teve com a música refere-se ao meu avô paterno, que, infelizmente, não conheci e que pertenceu muitos anos à direcção da Banda Filarmónica Imaculada Conceição da Fazenda do Nordeste.

A minha paixão pela música começou muito cedo. Quando era criança, por altura das Domingas, gostava muito de ouvir a banda da minha terra nas procissões e, muitas das vezes, em vez de incorporar a procissão, colocava-me atrás da banda a ‘marcar o passo’ com os músicos. 

É nesta altura, por volta dos meus sete anos de idade, que começa a nascer o tal bichinho pela música. Foi de tal forma que inscrevi-me na escola de música da Filarmónica União e Amizade da Lomba do Loução e tive aí as minhas primeiras aulas de solfejo com o senhor António Adriano, à altura maestro daquela centenária instituição.

C.A. - Conta-nos como foi a primeira vez que pisaste um palco.
 
C.S. - A primeira vez que pisei um palco a sério foi em 2004 com Orquestra Regional Lira Açoriana no Teatro Faialense. Foi a primeira vez que fiz um concerto num recinto fechado, e logo numa sala de espectáculos com história na nossa Região. 

Lembro-me muito bem desse dia. Sei que estava muito ansioso, pois para além de ser o meu primeiro concerto ‘a sério’, ia acompanhar, com o meu chefe de naipe de tubas da altura, Antero Ávila, um concerto para trompete - Concerto de Trompete de Hummel em Eb – interpretado pelo solista Paulo Borges, da ilha Terceira. Para a execução da obra em questão, a orquestra teve de ser reduzida, sendo necessários apenas dois tubistas. 

É óbvio que, com a pouca experiência que tinha e com a grande responsabilidade que era acompanhar um solista, senti-me um pouco exposto. Lembro-me muito bem de pensar que, como éramos menos executantes, qualquer falha seria logo notada e isso aumentava a responsabilidade e, por consequência, os níveis de ansiedade. De qualquer modo, o que interessa é que o concerto correu bem e saí do palco muito contente pelo trabalho que fiz naquele dia.

C.A. - Os workshops de Bandas Filarmónicas na pequena freguesia do Faial da Terra têm tido muito sucesso e grande divulgação em todos os Açores. Como surgiram?

C.S.
- Numa viagem que fiz com a Orquestra Ligeira da Povoação à ilha do Faial tive a oportunidade de conhecer a Filarmónica Unânime Praiense da Paria do Almoxarife. Quando assisti ao primeiro concerto daquela banda fiquei impressionado com a sua qualidade, questionando então o maestro qual era o seu método de trabalho para conseguir aqueles resultados. 

Respondeu-me que, na génese de tudo, estava a forte aposta na formação. Era este o “segredo”! Disse-me também que, no âmbito da formação a Filarmónica Unanime Praiense, realizava todos os anos workshops intensivos onde professores vindos da Banda da Armada transmitiam, durante uma semana, todo o seu saber e experiência musical aos músicos faialenses.

Foi assim que surgiu a ideia de fazer o mesmo no Faial da Terra, mas em vez de fazer um workshop à porta fechada, única e exclusivamente a banda do Sagrado Coração de Jesus, alteraram-se as premissas dos workshops realizados na ilha do Faial. Optamos então, na altura, por dar oportunidade a todos os músicos da ilha de São Miguel de participarem nos nossos workshops. Nas quatro edições que fizemos o número de alunos inscritos rondava entre os 90 e os 110 músicos. 

Houve um ano em que tivemos o privilégio de receber os melhores alunos da Academia de Música do Fundão. Essa participação daqueles alunos decorreu do facto de terem ganho como prémio de mérito por parte da Academia, uma viagem para virem participar no nosso workshop. Era sinal de grande orgulho para nós e para uma pequena freguesia ver o workshop de bandas de música realizado no Faial da Terra ser reconhecido no continente português e logo por uma academia de música.

Na prática, os workshops de Bandas Filarmónicas realizados no Faial da Terra foram, sem dúvida, importantes para a evolução da filarmónica daquela pequena freguesia. 

A Sociedade Musical do Sagrado Coração de Jesus do Faial da Terra, foi assim, pioneira em São Miguel em organizar um evento daquele tipo e naqueles moldes.


C.A. - Considera uma lacuna a falta de uma Academia de Música na Povoação? Qual a seria a sua função na formação musical daquela Vila?

C.S.
- Sim, considero uma grave lacuna. Acredito que quando a fecharam não a fecharam por prazer… fecharam-na porque a actual Câmara Municipal não conseguiu assegurar o funcionamento da academia e teve de pagar caro por erros que foram cometidos no passado. Resultado: crianças e jovens prejudicados por não terem ao seu dispor um meio acreditado de lhes dar formação musical de forma concreta. Graças a isso, e salvo pequenas excepções, sou da opinião que a música parou no concelho da Povoação… 
A Povoação teve, tem e com certeza que no futuro irá ter, muitos jovens com um enorme potencial e muito talento. Os que têm possibilidades conseguem ir mais longe, buscando formação noutras escolas, nomeadamente na academia da Lagoa e no Conservatório Regional de Ponta Delgada. Mas a grande franja da nossa população não tem possibilidades de sair do nosso concelho. E é aí que a Academia tinha um papel fundamental. Ou, então, voltando à resposta da pergunta anterior, o Governo Regional poderia abrir uma delegação do Conservatório de Ponta Delgada na Povoação. Caso contrário, o que será destes jovens? Perder-se-ão, à semelhança de tantos outros que abandonaram a música por sentirem que não chegariam mais longe, ou então ficam pelo concelho ‘lutando contra a maré’, sendo muitas das vezes autodidatas porque na sua terra a formação deixou praticamente de existir. 

São também as filarmónicas que sentem a falta da academia. O nosso sistema de ensino, na maioria das filarmónicas, não tendo um formador devidamente acreditado para o efeito, com formação na área ou então sem um conservatório ou academia por perto, não é eficiente em termos qualidade de ensino. Uma academia ou extensão do conservatório seria uma lufada de ar fresco não só para as bandas filarmónicas bem como todo o tipo de grupos musicais existentes num concelho pequeno e sem nada para oferecer na área da música.

Mesmo assim, mesmo com a ausência de uma Academia, a Povoação teve o privilégio de ver nascer uma nova filarmónica, a Filarmónica São Paulo da Ribeira Quente, que foi fundada por vontade do povo desta freguesia e pelo seu maestro Laurindo Araújo.

Trazer para os Açores

um curso superior de música

C.A. - A Banda Militar faz parte do teu percurso musical. Que influência teve na tua vida?

C.S.
- A Banda Militar dos Açores e também a Banda Militar da Madeira foram um marco na minha vida musical. Orgulho-me muito destas bandas e do percurso que lá fiz. Quer uma quer outra deram-me a oportunidade de conhecer camaradas que, de uma forma ou de outra, foram para mim um exemplo a nível musical e fizeram com que eu aplicasse na minha actividade musical algumas metodologias de trabalho e até maneira de ser enquanto responsável de uma filarmónica. Tive a oportunidade de realizar, em ambas, excelentes concertos dirigidos por chefes que também foram um exemplo para mim.
 
As Bandas Militares são, também, uma fonte de conhecimento para as nossas bandas filarmónicas e vice-versa. Isto porque os nossos músicos ao ingressarem nas bandas militares, passado um tempo, adquirem novos conhecimentos que podem transmitir, posteriormente, às nossas bandas para que mais tarde sejam os aprendizes das bandas a ingressarem as Bandas Militares.

C.A. - Na área da composição, já ganhaste o prémio de melhor composição infantil em Galas de Pequenos Cantores Caravela D`Ouro da Povoação. Continuas a compor?

C.S.
- Sim, ainda este ano compus uma canção para o Festival. Há muitos anos que sou músico da Orquestra Ligeira da Câmara Municipal da Povoação e tenho acompanhado de perto este festival, mesmo estando fora a estudar.
 
Para além de compor para o festival, já compôs para bandas filarmónicas. Influenciado pela Banda Militar, gosto muito de compor marchas. Já compus duas marchas de aniversário para a Banda Paroquial de São Lourenço – Camacha – Madeira, já compus marchas para a Banda do Faial da Terra, algumas marchas de São João para a Mordomia de Nª. Sra. dos Remédios, foi-me encomendada uma marcha para o Festival de Bandas Filarmónicas da Madeira e, recentemente, foi-me pedido para compor e ir a concurso um hino para a cidade de Santa Cruz da Lagoa para banda e coro a quatro vozes.

C.A. - Fala um pouco acerca da tua passagem pela Região Autónoma da Madeira.

C.S. - Depois de chegar à Madeira comecei a perceber que, comparativamente à realidade que conhecia, Ilha de São Miguel, eram e são muitos os jovens que estudam música.
 
A Madeira, para além de um conservatório com extensões por outros concelhos como já referi, consegue oferecer à sua juventude um curso profissional de música e para aqueles que não queiram seguir o ensino formal têm ainda a hipótese de frequentar o “Gabinete” - Direcção de Serviços de Educação e Multimédia. O “Gabinete” é uma escola que forma músicos, dançarinos e actores, oferece muitos espectáculos ao público Madeirense e até tem uma Orquestra de Sopros com muito boa qualidade. 
A passagem pela Madeira é, sem sombra de dúvida, um marco na minha vida pois tive a oportunidade de ter excelentes professores, conhecer bons músicos e, sobretudo, conhecer a realidade das escolas de música e conservatórios que em, muito dos aspectos, deveriam servir de exemplo para nós açorianos. Não quero com isto, de forma alguma, dizer que o que se faz aqui é mau. Longe disso. Só acho que devíamos dar mais oferta aos nossos jovens. Seria interessante pensar em trazer para cá um curso profissional de música ou até, quem sabe, mais tarde, o ensino superior em música.

C.A. - Estás a completar o Mestrado em Educação Musical na Escola Superior de Educação do Porto. Como tem evoluído a tua carreira?

C.S. - Neste momento estou a ter uma experiência muito enriquecedora como estagiário numa escola da Cidade do Porto. Sem dúvida que a formação que tive na minha licenciatura e que agora estou a ter no mestrado faz-me olhar para a música numa perspectiva diferente, percebendo o quanto é importante a educação musical na vida de uma criança.
 
A música é essencial para aumentar a capacidade de interacção social e a capacidade cognitiva dos jovens. Esta é, sem dúvida, muito importante, não só para as crianças e o seu desenvolvimento, mas também para nós adultos. É importante que haja um contacto com a música desde sempre, pois ao haver um contacto precoce a nossa capacidade musical desenvolver-se-á muito mais rápido e ao mesmo tempo serão desenvolvidas outras capacidades. Mesmo que as crianças não queiram seguir música como carreira, é importante que estes, durante a sua infância, a ouçam e trabalhem em sala de aula. 

A música ajuda a satisfazer diversas necessidades emocionais e sociais, regula o estado emocional, estabelece relações interpessoais e desenvolve a identidade pessoal e musical. Infelizmente a música aos olhos dos governantes é vista como algo para “encher currículo”, algo para entreter crianças. É necessário que as políticas educativas valorizem a Educação Musical elaborando um currículo eficiente e permitindo assim aos alunos uma boa qualidade de ensino, com professores formados tendo à sua disponibilidade salas de aula adequadas e devidamente equipadas.

C.A. - Já passaste por várias filarmónicas de S. Miguel. Qual a importância das Bandas de Música nos Açores? 

C.S. - As filarmónicas nos Açores, para além de serem um espaço de integração social, são um pilar da cultura musical da nossa Região. Em 98% das filarmónicas açorianas, os músicos trabalham por amor à camisola, coisa que dificilmente se vê nas filarmónicas de Portugal continental ou na Madeira, onde os músicos, na maior parte dos serviços, recebem uma remuneração pelo seu trabalho.  Não sou a favor de que as filarmónicas da região comessem a pagar os seus músicos, mas sou da opinião que estas lhes dêem condições materiais e boa formação musical. Para que isso seja possível, é necessário que as bandas comecem a ganhar por serviço a um preço justo. As pessoas que requisitam uma banda, muitas das vezes, não fazem a ideia do quanto custa mantê-la de portas abertas. Esquecem-se que é preciso fardamentos, é preciso palhetas e materiais de manutenção dos instrumentos, é preciso formação, transportes para os ensaios e muito mais. Se uma filarmónica tem realmente todos estes encargos mensalmente, não são os preços que hoje se praticam nas festas que vão sustentar uma banda.
 
Os músicos do conservatório, da Banda Militar e de outros grupos musicais de renome, muitas das vezes, são provenientes das filarmónicas. Por isso, sou da opinião que toda a sociedade açoriana deveria ter mais consideração pelas bandas de música. 
Apenas estamos a contribuir para a cultura musical açoriana no seu todo.

C.A. - Fala-nos da tua experiência enquanto formador na área musical. 

C.S.
- A minha experiência enquanto formador, actualmente, limita-se aos estudos que estou a ter no mestrado. Embora esteja a dar aulas como estagiário, está a ser uma experiência muito enriquecedora, pois estou a ter a oportunidade de enriquecer, com os meus alunos, os meus conhecimentos acerca da docência na área da educação musical.

C.A. - Que sonhos tens na área da música?

C.S. - Como qualquer jovem que esteja a acabar a sua formação, o principal desejo que este tem é arranjar um emprego onde possa por em prática todos os conhecimentos adquiridos na sua formação. No entanto, é um facto que nos dias de hoje não está fácil ter um emprego e, então, na nossa área de formação, é mesmo um luxo.

Mas é o país que temos.

Mais tarde, gostava de me formar em direcção de orquestra de sopros. Este é um sonho que tenho desde os meus 14 ou 15 anos. Espero também que um dia os Açores possam dar aos seus jovens músicos a oportunidade de se formarem como músicos num ensino superior sem ser preciso sair da região. Estar longe de casa é muito difícil e as dificuldades por que temos de passar, sobretudo a nível financeiro, torna tudo mais difícil. Mas também nos molda o carácter.

No entanto, a realidade é que muitas das vezes, quem perde é a própria Região, pois muitos daqueles que saem nunca mais voltam.
 

In Jornal Correio dos Açores 10/5/2015
Por: António Pedro Costa

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